CAPITULO 5 - O MITO DA IGUALDADE (II) E A
PRODUÇÃO DO OUTRO[1]
Os mitos e representações da nação laica se
cristalizam (ou tentam cristalizar-se) na figura do sujeito-cidadão, habitante
e criador do espaço público, ponto fundamental da trama da sociedade civil,
cidadão, enfim, enquadrado sob a férula de um Estado democrático ou proto
democrático. Depositário e produtor, portanto, da religião civil da nação. Agora, se numa das dimensões dos mitos e
representações da religião civil uruguaia, presentes nos textos escolares,
deparamos - assim como acontece no capítulo anterior - com a representação
emblemática de Varela versus as forças escuras (“...las tormentas que contra
él, furiosas se desencadenaron”, Mestre, 1914:117), o mesmo mito estabelece,
também, o seu caráter incluinte: a escola, fundada por Varela, é para todos; a
representação emblemática de Varela, como exortação fundacional, é incluinte
das diversidades possíveis. Meninas e
meninos, ricos e pobres, brancos ou pretos, constituem, finalmente, uma totalidade a ser atendida e a conformar
essa figura da igualdade: o cidadão. Se o exercício da igualdade consegue sua
verossimilhança mitoprática através da inclusão, na qual pretende-se igualar
esta diversidade, e se bem o ponto de partida são as adscrições e as diferenças
(branco/preto, rico/pobre, menino/menina, etc.); as mesmas são lembradas
unicamente para garantir a igualdade: igualdade de possibilidades na escola,
igualdade como cidadão na nação uruguaia. Neste jogo mítico de produção do mesmo e do
“outro” , o outro2 (alteridade), não encontra, no início, figura alguma:
ocupa o lugar da ignorância, o caos pré-escolar e social; entanto que o mesmo
inclui todas as adscrições (branco e preto, menino e menina, pobre e rico),
produzidas justamente como o mesmo (identidade) a partir da sua escolarização e
constituição em cidadãos uruguaios. O mito do igualitarismo e o santo José Pedro
Varela responde, neste eixo de construção do mesmo e do outro, “...ao espírito
ancestral, dogmático e estático, das fábulas e dos mitos, que transmitem uma
sabedoria elementar, construída por um simples jogo de luz e sombras, e a
transmitem por imagens indiscutíveis não permitindo a crítica.”
(Eco,1976:161). Por um lado, Varela, em
oposição às forças negativas da reforma escolar; a luz da escola enfrentando a
escuridão da ignorância. Nós diríamos: por uma parte o mesmo, a identidade,
como elemento unificador da diversidade - efeito logocêntrico no pensamento de
Serres (1977) - defronte o outro, como lugar caótico, impossível de se
estabelecer qualquer unidade. No
percurso, o saber escolar, magna luz que
ilumina a todos igualmente ao mesmo tempo que produz esse “todos”. Nesta versão do mito da igualdade a
dicotomização e a oposição são estabelecidas como figuras reconhecíveis. O
outro torna-se a alteridade radical: é a massa informe antes do acontecimento,
o “antes” e “depois” de Varela, o “antes” e “depois” da reforma escolar. O
outro,
sem sujeito - enquanto é nomeado mas não representado - torna-se justamente em
o outro, ou seja “...lo radicalmene heterogéneo, lo totalmente otro (...) esa
alteridad radicalmente irreductible.” (Verdesio,1996:15).3 Porém, essa modalidade mítica vai assumir uma
complexidade ainda maior quando for o caso de
tematizar a diversidade, de representar o Outro, resolvendo assim o seu
lugar em contrapostos: se a figura da inclusão - como o mito de Varela - há de
permanecer presente, também temos de encontrar
exercícios de hierarquização e de expulsão. 5.1 Inclusão, hierarquização e expulsão
Tratando da diversidade no seio da nação, R. Segato afirma que “Pode-se (...) falar de formações de
diversidade peculiares a cada nação.”
(Segato, 1997: 233). Após estabelecer diversos exemplos destas formações
nacionais de diversidade, acrescenta: ...quando falamos de crisol de razas na
Argentina, melting pot nos Estados Unidos e mistura de raças no Brasil, embora
estas expressões possam ser traduzidas de uma língua para outra como tendo o
mesmo significado, elas denominam processos de formação histórica da nação
bastante diferenciadas e peculiares. Em outras palavras, se o melting pot foi a
utopia de Novo Mundo, cada sociedade nacional o realizou de forma única -o que
fica infelizmente obscurecido pelo fato de ser denominado por uma figura da
linguagem comun. (Segato, 1997:235). Qual é então o tratamento que recebe a
diversidade no seio da nação laica? Como uma religião civil igualitária, cujo
eixo é o cidadão, recebe as diferentes figuras da diversidade, como ela
constitui seu melting pot? Lembremos aqui as indagações de Dumont (1992) a
respeito das figuras do indivíduo como valor e as características igualitárias
que assume o individualismo moderno, a fim de compreender outras tantas
dimensões do mito da igualdade. Para
Dumont, “O indivíduo como valor possui
atributos- por exemplo a igualdade...” (Dumont,1992:21). Por sua vez, o aspecto
igualitário do individualismo, ...implica ao mesmo tempo igualdade e
liberdade. Distinguem-se pois justificadamente uma teoria igualitária
‘liberal’, que recomenda uma igualdade ideal, igualdade dos direitos ou das
oportunidades, compatível com um máximo de liberdade de cada um, e uma teoria
‘socialista’ que quer realizar a igualdade nos fatos, por exemplo abolindo a
propriedade privada. (Dumont, 1992: 85-86). Se os textos abordados pudessem ter uma
coerência total, os Outros possíveis ficariam nos termos expostos: a religião
civil é incluinte, portanto, das diversidades possíveis, seriam tomadas somente
como adscrição, de tal maneira que reforçaria aquele primeiro tipo de
“igualdade liberal” ou “igualdade ideal” aludida por Dumont. Não haveria então, lugar para o Outro, a não
se essa breve nominação à sua adscrição de “origem”, que é, como já dissemos,
incluída em uma totalidade. Porém, esta gestação do indivíduo moderno,
esse novo sujeito, como bem o caracteriza Dias Duarte (1983), este
sujeito-cidadão produz - e deve - produzir o Outro. É assim que os textos escolares usados no Uruguai
até os ’30 - e de fato com efeitos mitopráticos maiores - não podem ser
coerentes, não podem possuir de fato um coerência total, porque o Outro é
interpelado, chamado a se representar e a dizer (embora sob o signo ventríloquo
do sujeito-cidadão), ou tende a se evaporar, a desaparecer, deixando marcas que
já não podem ser assinadas por ninguém
(“o outro”), nem manifestar uma adscrição (a temática católica, e o Deus
católico, que progressivamente torna-se em um Deus que não pode ser enquadrado
em nenhuma nominação religiosa é um claro exemplo deste último aspecto). Dumont (1992), sob a lógica da construção
individualista moderna, aponta duas modalidades de integrar o Outro: a
hierarquia e o conflito (Dumont, 1992:265). Partindo da atual avaliação do reconhecimento
do Outro, Dumont refere que a temática mencionada ...pode significar duas coisas. Na medida em
que é uma questão de “liberação” (...) não há problema teórico. Mas é possível que haja algo mais nas referidas
exigências. Tem-se a impressão de que apresentam também um outro sentido mais
subtil, o reconhecimento do outro em quanto outro. (Dumont, 1992: 264). Sob esta segunda acepção, Dumont sustenta que
“...semelhante reconhecimento só pode ser hierárquico (...) Aqui, reconhecer é
a mesma coisa que avaliar ou integrar ...”(Id.Ibid.). E acrescenta: E contudo é só por uma perversão ou um
empobrecimento da noção de ordem que podemos acreditar, inversamente, que a
igualdade pode por si própria constituir uma ordem. Ou, de modo mais explícito:
o Outro
será então pensado como superior ou inferior ao sujeito, como a importante
reserva
que a inversão constitui... [grifo nosso]. (Id.Ibid.). Este sujeito, apontado por Dumont, que remete
à imagem do mesmo e do indivíduo moderno (cidadão) supõe, enquanto construção
identitária, a inclusão das alteridades, dos Outros, através de sua própria
centralidade de sujeito. Na medida em que a igualdade, como afirma Dumont, não
constitui por si mesma uma ordem (isto seria substancializar a igualdade), ela
mesma supõe, pelo contrário, uma indagação sobre uma modalidade de ordem. E
esta modalidade de ordem inclui um sujeito, o sujeito-cidadão, o indivíduo
moderno, a partir do qual se estabelecem os eixos nos quais hão de se
estabelecer os Outros (e o outro), porque são necessariamente produzidos por
esta centralidade. Desta maneira, a religião civil ao mesmo tempo que é
incluinte, produz inevitavelmente Outros que são reconhecidos como Outros, pela
via da hierarquização - digamos uma espécie de escala na construção do cidadão4 - ou
então torna-se em eixo de conflito e expulsão (“o Outro“ que se torna “o
outro”, ilustrado como por exemplo, para o caso uruguaio, a igreja católica e
as nominações religiosas). Desta forma, explicita-se que a igualdade é
entendida como homogeneidade, e esta por sua vez, como identidade produzida e a
ser produzida. Se concordamos com
Lévi-Strauss no sentido de entender que a identidade “...es una especie de fondo virtual al cual nos es indispensable
referirnos para explicar cierto número de cosas, pero sin que tenga jamás una
existencia real.” (Lévi-Strauss,1981:369),
esta afirmação não impede ao mesmo tempo o reconhecimento dos mitos e das
representações emblemáticas que, como tais, projetam, fundam e estabelecem um
grupo, mesmo em se tratando de um grupo tão amplo como a nação - na sua dupla
lógica de inclusão e exclusão. Este sujeito ao qual Dumont se refere, é uma
construção identitária que, como tal, não pode nunca ser referencial,
especialmente em uma nação como a uruguaia emergente, e de aspecto migracional.
No processo de conformação da nação laica
uruguaia, o Outro, conforma também o outro, particularmente no caso da Igreja
Católica e outras denominações, sob a égide da sua derrota e privatização. Mas o que acontece com o Outro, o “gaucho”, o
afro-uruguaio, o índio, o imigrante, como é conformado o seu lugar? Este aspecto é fundamental, na medida em que
se o indivíduo moderno vai ligado à nação, como bem nos lembra Dumont
(1992:21), e se esse Outro, instala-se numa ordem na qual há um sujeito que
ocupa uma centralidade, devemos, então, questionar-nos sobre as características
dessa centralidade, na medida em que o tal sujeito não é dado de uma vez e para
sempre. No jogo do mesmo e do Outro, nestes textos, é
o mesmo quem enuncia o Outro, quem o apresenta, sob uma modalidade hierárquica.
Se a religião civil não elimina a adscrição, e a inclui sob o plano da
igualdade, a mesma nominação faz com
que essas adscrições sejam ordenadas de certa forma. E, para isto, deve-se lembrar que esse sujeito
central é um produto histórico, de tal maneira que embora a nação laica tenha
suposto a integração do Outro, também estabeleceu uma ordem para este Outro (o
índio, o “gaucho”, o afro-uruguaio e o imigrante). Similar à posição de Sahlins (1997a), Girardet
aponta que “....el mito aparece así como un elemento tan determinante como
determinado: salido de la realidad social, es igualmente creador de realidad
social ” (Girardet, 1999:173). A partir desta afirmação, deveremos dizer
então que, se a nação laica tentou anular a diversidade, teve de se enfrentar à
realidade da existência dos Outros e estabelecer a figura do mesmo, partindo desta proposta de conformação de um
sujeito entendido como único, indivisível, capaz de ser tratado no quadro, para
recitar Dumont, de “igualdade de possibilidades”, de “igualdade ideal”. A assunção de uma identidade incluinte
manifestou-se então carregada de assimetrias e ao mesmo tempo em que o índio, a
mulher, o “gaucho”, o negro e o imigrante (embora sem dúvida mais favorecido)
estabeleciam-se como um nós, nas alteridades internas à identidade, começava-se
a estudar uma ordem, diríamos uma ordem mitoprática, na qual se estabelece a
diversidade, expõe-se para mostrá-la por um lado, num plano de igualdade e, por
outro, como clara expressão das assimetrias. Se, voltando a citar Barrán,
“...la concepción dominante de nacionalidad entre 1900 y 1930 implicó la
aceptación del otro como parte constitutiva del nosotros” (Barrán, 1998a:30),
deve-se esclarecer que essa figura implica ao mesmo tempo uma ordenação do
Outro. Assim, o melting pot uruguaio conjugou de maneira diferente as figuras
que nele se fundiam e o conformavam. Ocorre que nos mitos e representações que conformam a religião
civil da nação laica, o sujeito - e daí a relevância do que Dumont coloca - só
pode ser pensado em sua singularidade de cidadão, indivíduo que deve estar “por
cima” das adscrições, por cima das particularidades e especificidades. A formação da diversidade particular de cada
nação, para retomar a expressão de Segato (1997) passou, no Uruguai, pela
matriz de integrar um único sujeito-cidadão. Assim foi contemplada a
diversidade: como passagem da diversidade à homogeneidade, da diferença à
igualdade. Porque, claro está, essa igualdade guarda
suas aporias: é uma igualdade que remete a um sujeito singular, não a uma
multiplicidade de sujeitos - esta última implicaria uma modalidade de igualdade
para cada um - o que seria a negação da própria igualdade incluinte de
todos. Os limites da “igualdade liberal” ou
“igualdade ideal” manifestam-se em toda a sua ambigüidade: por um lado
“inventa-se” um sujeito singular, uma centralidade identitária à qual
aplicam-se os princípios da igualdade. Por outro, enquanto esta igualdade toma
a diversidade para anulá-la (tal é o nosso caso), mesmo assim não pode
reconhecê-la como tal, e seria um contrasentido inventar diferentes igualdades
para diferentes sujeitos. Assim, esta diversidade é hierarquizada e uma
das representações do conjunto assume o lugar superior enquanto as outras
assumem lugares inferiores. 5.2 O
desaparecimento do Outro: os índios e o Uruguai
No exercício mitoprático que envolve as
representações sobre o índio, são apresentadas basicamente duas espacialidades
e duas temporalidades dispostas de diferente maneira. Os textos escolares
constroem uma anterioridade temporal, visitada a partir de um território já
nomeado, que inclui outro tempo. Assim, nas “Lecturas Ejemplares” de Orestes Araújo na lição intitulada “Las
razas primitivas del país”, encontramos: El territorio que constituye actualmente la República Oriental del
Uruguay estaba poblado en parte, cuando fue descubierto por los españoles, por
tribus salvajes pertenecientes á la gran familia guaraní. No es posible fijar
el número de individuos que componían todas y cada una de ellas, pero sí está
averiguado que la más poderosa y valiente era la de los charrúas, que defendió
constantemente con denuedo el suelo originario contra la conquista española.
Ocupaban estos indómitos salvajes la costa del Río de la Plata, y vivían
semi-errantes en la región comprendida entre Maldonado y la embocadura del Río
Uruguay, extendiéndose á lo mas, por las márgenes de los ríos y arroyos, hasta
una treinta leguas hacia el interior, paralelamente á la costa. (Orestes Araújo,1889:97). Neste caso, “El territorio que constituye actualmente la República
Oriental del Uruguay estaba poblado”... “Ocupaban estos indómitos salvajes...”, indica um
tempo anterior do qual não resta mácula. A nação emergente institui um passado
a partir do qual se conecta e se desconecta, conformando uma dupla
temporalidade caracterizada de forma dicotômica: de um lado, a temporalidade
fixa, quieta, do índio, o selvagem, que ocupava o território da República. De
outro, o tempo, a historicidade da própria nação, da própria República, lugar a
partir do qual esse passado se constrói. A construção de um duplo espaço fica também
inaugurada por meio da conformação de um espaço semi-povoado, uma espécie de
deserto humano: “El territorio que constituye actualmente la República Oriental
del Uruguay estaba poblado en parte…”. Também a figura de semi-ocupação é
recorrente: Ocupaban estos indómitos salvajes la costa del Río de la Plata, y
vivían semi-errantes en la región comprendida entre Maldonado y la embocadura
del Río Uruguay, extendiéndose á lo mas, por las márgenes de los ríos y
arroyos, hasta una treinta leguas hacia el interior, paralelamente á la costa. (Id.Ibid.). No “Libro Tercero” de Vásquez
Acevedo a caracterização de um e outro tempo e de um e outro espaço é ainda
mais clara. Na lição 64 desse livro, “Los indios” vemos as seguintes
afirmações: Los niños creen que nuestro país ha sido siempre como lo ven hoy. Es
bueno, sin embargo, que sepan la verdad. Hubo un tiempo, hace muchos años, en
que no había en el territorio de la República, ni ciudades, ni pueblos, ni
ferrocarriles, ni telégrafos, ni puentes, ni plantaciones, ni estancias, ni
gentes civilizadas. (Vásquez Acevedo, 1888:186-187). A caracterização do tempo passado torna-se
negação e oposição ao presente. Negação, como um tempo no qual “não há” nem
cidades, nem gente civilizada, nem estradas de ferro, etc. Oposição, no sentido
de que os habitantes desse tempo eram diferentes a “nós”: Existían algunos habitantes, pero no eran personas civilizadas,
vestidas como nosotros, y rodeadas de todas las comodidades que disfrutamos
ahora. Los habitantes de nuestro país eran indios, que andaban casi desnudos,
vivían en pequeños toldos que podían llevar de un lado á otro, y se alimentaban
con las aves que cazaban y los peces que sacaban de los ríos. Los indios tenían
un color oscuro” (Id.Ibid.) A construção do Outro, do índio, inscreve-se
assim na “… asimilación a lo conocido, a lo familiar” (Verdesio,1996:16), como
cânone de comparação. Tanto em Orestes Araújo (1889) quanto em Vásquez Acevedo,
o índio é uma anterioridade temporal à conformação da República, de sua gesta
civilizadora. O índio é olhado, diagnosticado do altar da civilização, a partir
do mesmo - o conhecido e familiar em termos de Verdesio (1996:8)- conformando
assim um “selvagem”, incapaz de ser incorporado a esse mesmo civilizado. Resulta curioso, o manejo da temporalidade de
convivência entre este passado indígena e o presente da República. Lembremos
que o mito não tem porque dar conta dos fatos históricos sob o auspício da
veracidade. É uma história construída, que permite deslocamento e
descontinuidades temporais. Se retomamos a diferença que Sahlins realiza entre
“sucesso fenomênico” e “acontecimento” (Sahlins, 1997a:14), vemos como opera
aqui a mito-práxis. O “sucesso fenomênico”, leva-nos à
verificação do desaparecimento dos indígenas do território da República: “Los
niños creen que nuestro país ha sido siempre como lo ven hoy. Es
bueno, sin embargo, que sepan la verdad.” (Vásquez Acevedo, 1888:186). Mas apenas nomeado, o sucesso fenomênico torna-se acontecimento: “Un acontecimiento llega a
serlo al ser interpretado: sólo cuando se lo hace propio a través del esquema
cultural adquiere una significación histórica” (Sahlins, 1997a:14). A
mito-práxis, que exige um “…diálogo simbólico de la historia - diálogo entre
las categorías reconocidas y los contextos percibidos, entre el sentido
cultural y la referencia práctica…” (Sahlins, 1997a:135) unifica nos textos escolares
abordados as categorias reconhecidas - desaparecimento do indígena - e os
contextos percebidos (ausência de núcleos indígenas no território da nação). O sucesso fenomênico do desaparecimento
torna-se acontecimento na medida em que é interpretado através do esquema cultural
da nação emergente. E neste esquema, a temporalidade é deslocada.
O índio - tanto sua presença quanto sua convivência e desaparecimento, emerge
num contexto pre-fundacional da nação. Seu transitar é um acontecimento - o
conjunto de acontecimentos - mas temporalmente afastados, “mais antigo”, no
sentido de mais afastados da “civilização”: Todas estas tribus formaban la población de la República hace 300 ó 400
años. Todavía existen algunos descendientes de ellas, aunque muy pocos; pero no
conservan sus costumbres, ni viven aislados (Vásquez Acevedo,1888:190). O genocídio relativamente recente, cuja etapa
final realiza-se em 1831, tal como aponta Pi Hugarte (1993a) é também
obliterado, através da seguinte fórmula: Se han incorporado á la nueva población, que se compone, como todos
saben, de hijos de españoles, italianos, franceses, ingleses y otros pueblos
que han venido á establecerse en nuestro lindo país, después del descubrimiento
y la conquista. (Id.Ibid.). Quanto ao espaço: - “Todo era un campo
desierto, con estensas praderas y pequeños bosques á la orilla de los rios y
arroyos “ - no dizer de Vásquez Acevedo (1888:187). Novamente nos é apresentado um território vazio, quase
natural como esse índio selvagem, argila para ser trabalhada pelas mãos
“civilizatórias”. Na
mito-práxis processual que leva consigo a fundação da nação o índio conforma
uma dimensão prévia nunca constitutiva da nação. Pelo contrário, os inícios temporais que levariam à nação
encontram-se do lado da conquista e da colonização européia. O índio é aquele
“…que defendió constantemente con denuedo el suelo originario contra la
conquista española” (Orestes Araújo,1889:97), e ingressando como remanescente a
uma temporalidade que lhe é alheia “…después del descubrimiento y la conquista
“(Vásquez Acevedo,1888:190). No livro “El lector infantil” de Julián O.
Miranda (1898), a lição 28 “Los indios charrúas”, maneja de forma similar à de
Orestes Araújo (1889) e de Vásquez Acevedo (1888) um duplo tempo e espaço, onde
o indígena faz parte desse mundo informe, atemporal e natural: Los indios charrúas. Hace mucho tiempo en este país no existían ciudades, ni pueblos, ni
estancias, ni chacras, ni los habitantes eran blancos, como ahora, ni andaban
vestidos como nosotros. En este país vivían los indios charrúas, que eran salvajes. Los charrúas eran de color oscuro, muy parecido al negro; vivían en
chozas que fabricaban con ramas de árboles y andaban casi desnudos. Su vestido consistía en un pedazo de cuero que se ponían para abrigarse
la espalda; en la cintura se ataban alrededor de ella varias plumas de ñandú, y
en la cabeza llevaban también un par de plumas atadas con un pedazo de cuero. No siempre vivían en el mismo paraje: en verano residían en los médanos
de la costa y en el invierno en los montes cerca de los ríos y arroyos. (Miranda, 1898:63). Desde os mencionados textos de Orestes Araújo (1889), Vásquez Acevedo (1888),
passando pelo livro “Trabajo” de José H. Figueira (1900b), os “Ejercicios
progresivos de lectura, ortología y ortografía” de Emma Catalá de Princivalle
(1908a), até o texto denominado “Uruguay” de Abadie Soriano e Zarrilli (1932),
insiste-se em mostrar os indígenas como uma anterioridade não somente à nação, mas também como um passado a ser
superado necessariamente, “naturalmente” pela conquista e o descobrimento do
Rio da Prata: Lección 86. Juan Díaz de Solís. El
descubridor del Río de la Plata. 1. Hace como cuatro siglos, el territorio que hoy ocupa la República
Oriental del Uruguay se hallaba poblado por unos cuatro mil indios, que vivían
casi desnudos, en estado salvaje(...) 2. Estos indios formaban varias
tribus (*), siendo la más fiera, atrasada y bárbara, la de los charrúas. 3. Juan Díaz de Solís era un navegante de mucha fama, probablemente
portugués. 4. Los reyes de España le nombraron piloto mayor, con encargo de
descubrir tierras al Sud del Brasil, y con este propósito partió de un puerto
de Andalucía (Lepe), con tres carabelas, tripuladas por sesenta hombres. 5. Después de haber hecho escala en las costas de África y del Brasil,
y á los ciento diez y siete días de su partida de España, llegó Solís al puerto
que denominó de las Candelarias, y que parece ser el que hoy se llama
Maldonado, el 2 de febrero de 1516, día de dicha santa. 6. Continuando su viaje, notó que el agua sobre que navegaba era dulce;
más pensando que á causa de su gran anchura fuera aquello un mar, llamó Mar
dulce á lo que hoy se conoce con el nombre de Río de la Plata. 7. Al llegar á una isla á la que se le puso el nombre de Martín García,
Juan Díaz de Solís se dirigió á la costa, cerca de donde se halla la Colonia. 8. Los charrúas, que poblaban aquellos parajes, rodearon y mataron á
Juan Díaz de Solís y á casi todos sus acompañantes. Los demás que tripulaban
las carabelas, una vez que se convencieron de aquel desgraciado hecho,
dispusieron su regreso á España. 9. De esta manera, Juan Díaz de Solís pagó con su vida el
descubrimiento del Río de la Plata. (*) Se da el nombre de tribu á un grupo de familias que obedecen á un
jefe. (Figueira,1900b:233).
O ingresso residual dos indígenas à
historicidade aberta pelo descobrimento não deixa de apontar a “turbulência” da
“naturalidade selvagem” dos charruas - uma espécie de emblema do universo
selvagem indígena. Solís paga o descobrimento com sua vida, que
lhe foi tirada pelos habitantes deste mundo incivilizado. E, evidentemente
estabelece-se uma continuidade semântica entre a dicotomia expressa entre
descobridores e descobertos, conquistadores e conquistados, que continuará
presente no quadro da nação laica. Nação laica, nação branca, mundo civilizado
haverão de ter uma conjunção muito bem ilustrada. A lição
“Los Charrúas”, presente no Livro quinto, quarta série, dos
“Ejercicios progresivos de lectura,
ortología e ortografía” de Emma Catalá de Princivalle, não tem, como exemplo,
desperdício nenhum: Los charrúas. La Madre –
Dime Marta, ¿cómo se
llama nuestro país? Marta – La República Oriental del Uruguay. - ¿ Sabes por qué se llama país o nación? Se llama nación, porque es una reunión de habitantes que se rigen por
leyes establecidas por ellos mismos, y tienen un gobierno que los dirige
cuidando de su vida é intereses y obligándolos á cumplir las leyes. Dime, ¿ habrá sido siempre nuestro suelo, como es ahora, una nación
independiente y habitada por gente blanca? No mamá; he oído decir que en otro tiempo los habitantes de este suelo
eran unos salvajes, y desearía saber cómo eran esos salvajes y cómo han
desaparecido. de nuestro suelo. (Catalá de Princivalle, 1908a:
123-124). A conjunção da nação e suas leis, sua
independência e sua “brancura”, mostram a separação entre o universo mítico da
nação emergente, e a construção desse Outro obliterado, escuro, selvagem, que
conforma um passado superado. Tal é o grau de descontinuidade entre o presente
da nação e o seu passado indígena, que admite a questão, a interpelação sobre
esse estranho passado. A construção do indígena como passado, alheio
à fundação da nação, torna-se a repetir numa temporalidade reiterativa (fora da
história), e num espaço intocado e desértico: - Hace como cuatrocientos años que en nuestros campos no había
ciudades, ni estancias, ni ganados, ni vías férreas, ni puentes, ni caminos;
por todas partes se extendía la campiña solitaria cubierta de abundantes
pastos, que casi ningún animal comía, y surcada por numerosos ríos y arroyos
poblados de espesísimos montes, que nadie talaba. Los únicos habitantes de las
dilatadas campiñas eran los venados, los zorros, los ñandúes y las perdices;
los bosques estaban poblados de numerosas alimañas é infinidad de aves de todas
clases. En las zanjas, lagunas y pajonales pululaban los patos silvestres, las
gaviotas, las palomas trocases, las gallinetas, las garzas, los flamencos y las
cigüeñas. Próximos á las costas de los grandes ríos ó entre los médanos de la
orilla del mar, se agrupaban los toldos de los indios, únicos seres humanos que
vivían en nuestro territorio en aquellos remotos tiempos, Estos indios formaban
varias tribus, pero la más numerosa era la de los charrúas. Los charrúas vivían
en toda la costa del Plata. Eran de color obscuro, pelo negro, lustroso, boca
grande, dientes muy blancos, que conservaban hasta la vejes, frente estrecha,
pómulos salientes, ojos negros, chicos, hundidos y tan brillantes que
centelleaban en la oscuridad. Los hombres se pintaban tres rayas rojas en la
mejilla, y las mujeres tres azules desde la raíz de la frente hasta la punta de
la nariz, cruzadas por otras tres horizontales de sien á sien. Los hombres se
vestían con una especie de camisa sin mangas hecha de piel de venado, y se
adornaban con plumas de ñandú, que colocaban alrededor de la cintura y en la
parte más alta de la cabeza sosteniendo el pelo, que usaban levantado y bien
sujeto formando penacho en la coronilla de la cabeza. Las mujeres usaban una
especie de enaguas, y el cabello suelto. Sus armas eran la flecha, que arrojaban con mucha fuerza y destreza por
medio de un arco flexible; las boleadoras de piedra redondeadas reunidas con
cuerda de corteza de árboles, con las que derribaban los venados y los ñandúes;
las lanzas con puntas de piedra, muy agudas y enastadas en largos palos; las
hachas y rompecabezas de piedra. Vivían en toldos, que armaban clavando cuatro estacas y cubriéndolos
con cueros. Dormían en hamacas ó sobre un cuero de venado, ó en el suelo duro.
Se alimentaban de las aves que cazaban y de los peces que sacaban de los ríos. Eran diestros nadadores y muy baquianos para recorrer los ríos en sus
ligeras piraguas, que construían ahuecando un grueso tronco por medio del fuego
ó de hachas de piedra. En los festines con que celebraban las victorias se embriagaban con un
licor llamado chicha, que preparaban haciendo fermentar las semillas de
algarrobo en un agua mezclada con miel de abejas silvestres. No tenían idea de Dios, y sólo creían en dos espíritus : el del bien,
que llamaban Tupá, y el del mal, Añang. Eran supersticiosos: cuando estaban enfermos llamaban á los adivinos ó
médicos, que los curaban chupándoles fuertemente el estómago, para sacarles el
daño, al que atribuían todas las enfermedades. Enterraban á sus muertos en la cumbre de los cerros, y les ponían las
armas á los guerreros, para que pudieran defenderse, en la otra vida, de los
malos espíritus. Estos indios, á pesar de ser tan salvajes y atrasados, eran muy
valientes; amaban la libertad y su suelo nativo, se mostraban serenos ante el
peligro y peleaban con intrepidez y bravura. (Catalá
de Princivalle, 1908a:124-127). Esta pequena etnografia escolar sobre os
indígenas, produz novamente o Outro, num universo cujo estranhamento reside em
seu caráter de intocado, natural, apenas povoado por uma figura humana que nada
tem a ver com os transformadores da natureza (os habitantes da nação
civilizada, respeitosa de suas leis, branca). Seus costumes, tão alheios aos dessa nação
(uruguaia) que ocupa o território, que habilita a existência de um espaço
povoado, ordenado e um tempo nunca reiterativo, nunca idêntico a si mesmo,
regressam à temporalidade evocativa a partir da nação triunfante por meio de
uma dupla afirmação: Estos indios, á pesar de ser tan salvajes y atrasados, eran muy
valientes; amaban la libertad y su suelo nativo, se mostraban serenos ante el
peligro y peleaban con intrepidez y bravura.” (Catalá de Princivalle, 1908a:127). Selvagismo e valentia irão constituir uma
continuidade mítica, e que posteriormente, objetivar-se-á na figura desse Outro
que é o “gaucho”, uma alteridade sem dúvida mais recente, e colocada na trama
hierárquica de produção dos outros no nível de ”protocidadão”. Também o selvagismo dos índios em geral e dos
charruas em particular - verdadeira representação emblemática do selvagismo -
pode tornar-se em virtude na medida em que contém uma espécie de “germe” de
amor “primitivo” pelo território - amor que bem pode ser compreendido a partir
do “amor” pela nação que percorre os diversos textos escolares. No final da lição “Los Charrúas” deparamos
com a seguinte convocatória: “Dediquemos
un recuerdo de compasión y simpatía á esos primitivos habitantes de nuestra
amada patria, que sucumbieron en defensa de su territorio y de su libertad
salvaje.” (Id.Ibid.). Por
outra parte, este selvagismo indomesticável também avalia o extermínio
necessário dos indígenas por parte dos descobridores e conquistadores, a
denominada “raça conquistadora”. Nada tem a ver a República, a nação, com o
extermínio indígena. Seu desaparecimento retroage ao tempo do descobrimento e
da conquista: La primera
expedición europea que vino al Río de la Plata, tuvo un fin lamentable debido á
los indómitos charrúas, que escondidos en los matorrales de la costa, seguían
con feroz curiosidad las maniobras de los tripulantes del primer buque que
llegaba á estas playas, y recibieron con una lluvia de flechas á Solís y demás
españoles cuando pisaron confiadamente la hermosa tierra que los atraía con sus
encantadores paisajes. Mucha sangre española derramaron estos indígenas, y por su indómita
bravura fueron siempre una amenaza continua para la raza conquistadora, que se
vió obligada á exterminarlos no pudiendo someterlos. (Id.Ibid.). Também no texto “Uruguay”, do ano 1932,
escrito por Abadie Soriano e Zarrilli, encontramos duas lições “Historia de
nuestro país. El indio” e “Cómo eran los indígenas”, onde novamente ilustra-se
a morte de Solís, o caráter guerreiro dos charruas, seu nomadismo, a ausência
de cidades, de indústria, enfim, de civilização. Historia de nuestro país El indio. Cuando Juan Díaz de Solís exploró el Río de la Plata (…) fue muerto por los charrúas. Los indios charrúas formaban la tribu más poderosa de todas las que
habitaban nuestro país. Los charrúas poblaban las costas del Río de la Plata, desde Maldonado a
Colonia. El indio charrúa, como los demás indios que poblaban en otro tiempo
nuestro territorio, vivían en estado salvaje. Los charrúas eran guerreros. Defendieron su territorio contra la
invasión española, con tanta tenacidad y valor, que pudieron ser destruidos,
pero no vencidos. Las principales armas que usaron fueron: flechas, lanzas, boleadoras,
mazas de piedra. Las boleadoras, que más tarde fueron empleadas por el gaucho en las
faenas camperas, constituía el arma más original. Se componía de tres bolas de
piedra, cada una de las cuales tenía una ranura por donde pasaba una tira de
piel de zorro o de cualquier otro animal. Estas tiras eran de más de dos metros
de largo y se unían en un nudo común. Charrúa quiere decir, en guaraní, el idioma de los indios: somos turbulentos. El jefe de la tribu se llamaba
cacique o taita. Taita quiere decir: hijo del fuego. El cacique era elegido
entre los más valientes de la tribu. (Abadie Soriano e Zarrilli, 1932:56-57). Cómo eran los indígenas. Los indígenas se alimentaban de la caza, de la pesca y de las frutas
silvestres. Por eso siempre vivían al lado de los ríos o de los arroyos. Cruzaban los ríos en canoas que construían ahuecando el tronco de algún
árbol corpulento. Era un pueblo nómada. Nunca construyeron ciudades. Como no estaban
fijos en un solo sitio, sus viviendas eran portátiles, y consistían en toldos
sostenidos con varias estacas. Estos toldos eran generalmente de pieles de
animales, ramas o paja. En el verano vivían, por lo general, en hamacas, que suspendían en los
árboles. Usaban ollas o vasijas de barro para cocer sus alimentos. La carne la
comían ligeramente asada, casi cruda. El fuego lo obtenían frotando con energía dos trozos de madera seca. Los charrúas, como hemos visto, vivían en estado salvaje. Lo único que
conocían era la guerra. Carecían de arte, industria y comercio. (Abadie
Soriano e Zarrilli, 1932:58-59). Se nos casos dos índios do Uruguai trata-se
da construção de um Outro (quasi um outro) fora da construção mítica da nação
e, ao mesmo tempo, convoca-se sua existência passada para dar início ao prólogo
mítico da República Oriental do Uruguai através da ação civilizatória do
contato e da conquista européia, civilização cristalizada (e melhorada) nesta
nação branca possuidora de leis, para o “gaucho” veremos novos exercícios
mitopráticos, que o fazem descendente deste mundo turbulento e selvagem, ao
mesmo tempo que é tratado como “argila virgem” que deverá ser trabalhada pela
educação. 5.3 O “gaucho”:
entre a barbárie e a civilização
Nas “Lecturas escogidas en prosa y verso para
los años superiores de las escuelas públicas” de Julián O. Miranda, encontramos
a seguinte representação do “gaucho”: “Antiguamente
el gaucho era un salvaje, acostumbrado á la vida nómade, al combate sin
cuartel, á las correrías interminables(...)” (Miranda,1912:169). Este selvagismo, fixado também no passado, no
texto de Emma Catalá de Princivalle (1908a) toma uma justificação “híbrida”: o
“gaucho” é a síntese das diversas qualidades de conquistadores e conquistados. Na lição 24 chamada “El gaucho oriental”
Princivalle ilustra o “gaucho” como “criollo puro”, descendente de europeus
aventureros e indômitos charruas: Lección 24 El gaucho oriental. Es el criollo puro, el descendiente de aquellos españoles aventureros y
arrojados que lucharon largo tiempo con los indómitos charrúas. Conserva de los españoles la audacia, la hidalguía y la lealtad; y de
los indígenas la sobriedad, la impasibilidad ante el peligro, la robustez y
agilidad del cuerpo, y el amor á su suelo nativo y á la absoluta independencia
de su vida semi-salvaje. (Catalá de Princivalle,
1908a:248-249). O gaucho, enquanto semi-selvagem, pertencente
ao mundo rural, opõe-se ao homem da cidade: vestes, costumes, maneira de falar.
Tudo é muito diferente entre o “gaucho” e o homem das cidades: El traje, á
propósito para andar á caballo y para las faenas del campo, se compone de
chiripá de merino negro sobre los anchos calzoncillos de fleco, aunque hoy han
caído en desuso ambas prendas, siendo reemplazadas por la amplia bombacha de
paño ó de algodón. Sujetando el chiripá ó la bombacha, usa un ancho tirador de
cuero sobado ó curtido, donde lleva el filoso cuchillo, que no le falta nunca;
camisa de color, poncho grueso de paño en invierno, y ponchillo de algodón en
el verano, sombrero gacho con barbijo, pañuelo rojo ó celeste, de golilla y
alpargatas ó botas de potro hechas por él mismo… (Id.Ibid.). Porém, ora semi-selvagem, ora um Outro
vizinho (à diferença do índio) ao mesmo civilizado, seus instrumentos conservam
a ambigüidade de servir para o conflito ou para a paz: Lección 65 -¿Ves el cinto de don Goyo? -¡Ya lo creo! Y también el facón y las boleadoras. Don Goyo ha traído una tropa de ganado vacuno. En el camino se le
escapó un novillo negro; pero Don Goyo le echó el lazo y lo agarró. -¿Para qué tiene el facón don Goyo? ¿Es para pelear? No, don Goyo no es paisano peleador. El facón lo tiene para comer el
asado y también para defenderse si algún matrero sale a robar. (Vásquez Acevedo, 1889a:136-137). Resulta sugestiva demais a comparação entre
“gauchos” e estrangeiros (imigrantes): Los estancieros prefieren el para los trabajos de campo, porque es más
inteligente, sobrio y desprendido que el extranjero, que nunca está contento ni
con la comida ni con el salario, y que es menos resistente y no se adiestra con
tanta facilidad en las faenas del campo. En las granjas sucede lo mismo. Los mejores trabajadores son los
paisanos una vez acostumbrados, y si tuvieran constancia, serán tan buenos
labradores como peones de estancia; pero nuestro gaucho no tiene paciencia para
la vida sedentaria y monótona de la agricultura: él ama recorrer libremente los
campos, sobre el lomo de su potro, lidiar con los animales que oponen
resistencia y á quienes es preciso vencer con la habilidad y la fuerza. (Catalá
de Princivalle, 1908a: 250). Este nomadismo do gaucho - virtude e defeito
ao mesmo tempo - conserva, porém um potencial a ser desenvolvido: Raza fuerte, sensible é inteligente, cuando la educación difundida en
nuestra campaña modifique sus
costumbres suavizando sus gustos y tendencias, saldrán de ella hombres
enérgicos, inteligencias vigorosas, ciudadanos honrados y patriotas. (Catalá de Princivalle, 1908a:251). No processo de hierarquização do Outro, o
“gaucho” aguardou o “momento civilizatório” para tornar-se no mesmo: “cidadãos
honrados e patriotas”. 5.4 O olhar
sobre os afro-uruguaios
Na mito-práxis da nação laica,
branca e civilizada, os índios emergem como passado pre-fundacional à nação
enquanto que os gauchos constituem uma rica matéria proto-cidadã cujas virtudes
serão viabilizadas (melhoradas) através da educação. Os afro-uruguaios, no processo de conformação
e hierarquização do Outro, serão por um lado citados para garantir a igualdade:
as ladainhas da religião civil afirmam que “brancos e negros” têm igual acesso
à escola, assim como são possuidores da mesma igualdade perante a lei. Porém -
reverso da moeda da mito-práxis - os textos escolares hão de mostrar uma e
outra vez a criação de “lugares”, onde os afro-uruguaios ocupam um lugar de
subordinação perante os brancos civilizados. Esta relação assimétrica, estabelece-se de
duas maneiras a saber: por um lado, através de uma prática paternalista em
direção a esse Outro “inferior”. Por
outra parte, objetivando esse lugar (da
inferioridade) de forma manifesta. Em um e em outro caso, a naturalização do
“lugar” do inferior manifestam-se justamente como “naturais”. No “Libro segundo de lectura”, de Vásquez
Acevedo, a relação assimétrica fica claramente ilustrada na lição 27: Lección 27 Aquí hay un hombre que pasa un arroyo, montado á babucha de otro
hombre. ¿Te gusta á ti ese modo de andar? ¿Tu papá no te ha montado así en sus
hombros alguna vez? ¿Te parece que los dos hombres son blancos? ¿Cuál es negro? ¿El de arriba ó el de abajo? ¿Qué lleva el de abajo en la cabeza? ¿Te parece que el hombre blanco se caerá? ¿crées que tiene miedo? Si el hombre negro se cayese, el blanco se caería también, y ambos se
mojarían. El blanco, además, se lastimaría. (…) Ejercicio de significación. ¿De qué habla esta lección? - ¿qué dice el primer párrafo?(…) ¿qué dice
del hombre blanco? - ¿qué dice del negro? - ¿qué le sucedería al blanco si el
negro se cayese?. (Vásquez Acevedo, 1889b: 59-60). Continuando na mesma direção, a lição 48 do
mesmo livro diz: Doña María ha ido á la cocina para enseñar á Josefa á hacer pasteles. ¿Sabes cuál es doña María? ¿Qué está haciendo ahora? ¿qué tiene en la
mano derecha? ¿qué tiene en la mano izquierda? ¿qué está cortando con el
cuchillo? Está cortando la masa que sale fuera de la fuente. Después pondrá el pastel en el horno. ¿De qué color es Josefa? ¿Te parece que Josefa está contenta? Me parece
que sí, porque se está riendo. ¿Cuál tiene la nariz más grande? ¿Doña María o
Josefa? ¿Cuál tiene los labios más gruesos? Doña María tiene la nariz delgada y
los labios finos. ¿Ves a la negrita? Si, tiene motas en la cabeza. Se llama
Petrona. ¿Ves al negrito cabeza de melón? ¿Por qué tiene la boca abierta?,
¿crees que podrá ver mejor con la boca abierta? ¿Qué tiene Josefa en la
cabeza?, ¿son sus brazos tan blancos como los de doña María?, ¿tiene las manos
negras? Sí, pero están tan limpias como si fueran blancas. ¿Qué ves sobre la
mesa? Veo una botella de cuello largo con tapón de corcho, y veo también un
tarro con cuchara adentro. (Vásquez Acevedo, 1889b: 99-100). Nas duas lições mencionadas, as assimetrias
desenvolvem-se sem rodeios, com total violência, os lugares ocupados pelos
afro-uruguaios sendo claramente inferiores. Eles são diagnosticados,
examinados. As mãos de Josefa são pretas, mas como estão limpas, parecem
brancas. Na lição 27, um negro transporta um branco, realçando a importância
das vicissitudes do branco, caso o negro - transporte humano - chegar a cair. Este racismo desmesurado parece, porém, atenuado na lição 25, do “Libro tercero” de
Vásquez Acevedo, lição justamente intitulada “El negro”. El negro. Se hallaba una mañana un señor en la puerta de su casa cuando se
aproximó á él un negro, de humilde traza, y le pidió un jarro de agua. El señor le contestó: “no tengo agua para ti negro vago, - vete”. Después de mirar un momento al señor, el pobre moreno, siguió su camino
hasta que encontró una caritativa mujer que satisfizo su sed. Pasado algún tiempo, el señor, que era muy aficionado á la caza, salió
una vez á cazar y se alejó tanto de los parajes conocidos que se perdió
completamente, sin acertar á tomar el rumbo de su casa. Caminando de un lado á otro descubrió un humilde rancho de barro, y se
acercó á él para pedir informes sobre el lugar en que se encontraba. Un negro á quien vió allí le dijo: -el paraje en que Ud. se halla,
dista mucho de su casa. Usted no podrá llegar á ella esta noche; pero si Ud.
quiere permanecer aquí hasta mañana por la mañana, yo le daré alojamiento con
placer. El amable ofrecimiento fue aceptado. El hombre de color, preparó una
modesta comida para su huésped, y le hizo una cama con cueros de carnero para
que pasase la noche en ella. A la mañana siguiente, el mismo negro condujo al señor hasta el camino
de su casa. Una vez en él, se paró el negro delante del señor, y mirándolo con
atención le preguntó si no lo conocía. Me parece que lo he visto alguna vez á Ud., pero no sé donde”, fue la
contestación. Si, dijo el moreno; Ud. me vió una vez en la puerta de su casa. Voy á
darle un consejo. Si en el futuro algún pobre negro cansado, hambriento y
sediento, se acerca á Ud. para pedirle un jarro de agua, no le conteste Ud. –
vete, negro vago. (Vásquez Acevedo,1888:60). Aqui fica inaugurada uma instância
paternalista: o negro desastrado, pobre, humilde (inferior) dá uma lição de
tratamento ao branco. A mito-práxis se desenvolve aqui em toda sua
contradição: o negro reafirma sua condição social inferior: “Si en el futuro
algún pobre negro cansado, hambriento, sediento..”(Id.Ibid.), reivindicando,
através do seu comportamento, a necessidade de um tratamento eqüitativo. A
assimetria na relação negro-branco não se transforma, mas toma outro aspecto,
onde se exige ao superior (branco) um tratamento mais condizente com a sua
condição, tomando em conta, justamente, a situação na qual está investido. No “Libro cuarto de Lectura”, também de
Vásquez Acevedo, a teatralização da relação paternalista e assimétrica entre
branco e negro manifesta-se na lição 63 da seguinte maneira: Lección 63. La historia del negro. Juan. Buenos días, señora. Lola. Adiós, Juan, -¿y mi don Diego? Juan. Me ha dicho que vendrá luego a ponerse a vuestros pies. Lola. En lo elegante y cumplido con que traes el recado, pronto conocer es dado El amo tuyo quién es. Juan. Mi amo, señora, es un ángel, con toda el alma de un bravo. Lola. Dime Juan; ¿eres su esclavo? Juan. No los tiene mi señor; pero por él, sin pensarlo, hasta la vida daría: le quiero con hidalguía, le adoro por su valor. (…) Lola. ¿Quieres contarme tu
historia? (…) Juan. Pues a complaceros voy: El color de mi cara os dará a conocer que fue, señora, el blanco Sol de Africa mi cuna, y del desierto en la tostada arena me arrojó la fortuna, por suerte, del esclavo la cadena. Un hijo que tenía de diez años de edad, también esclavo, mi destino seguía, y atravesando el férvido océano, vendióse nuestra sangre y nuestra vida a la sorda avidez de un castellano. De las América ardiente rociamos las fértiles llanuras con el servil sudor de nuestra frente, y trabajando allí sin esperanzas, del látigo al crujido, sólo soñaba el alma en la venganza digna del hombre de color vendido! Un día, en el trabajo, corriendo tras ligera mariposa, alegre el hijo mío se distrajo, y un blanco capataz, con saña fiera, le cruzó con el látigo la cara: mi corazón se altera al recordar la sangre que brotara; tiré con mano ruda el hacha, con tal ira, a su cabeza, que si le acierto a dar, salta, sin duda, como en manos de un niño una
cereza. Frustóse mi venganza (…) y, vagando sin tino, (…) corrí la noche entera, sin escuchar, señora, más ruido que el salvaje rugir de una pantera; Sin armas yo para luchar con ella y abrumado del peso de mi hijo, pensé rendirme a mi maldita estrella, y, tras mi infausta suerte, terminar mis angustias con la muerte. Sentía moverse entre el follaje, cuando escuché a mi espalda un caballero exclamar: ¡Qué brava es! Llevarme quiero la hermosa piel de ese animal salvaje. Midiendo la distancia con arrojo, le tiende el arcabuz con faz serena: el tiro entonces suena, y le metió la bala por un ojo. Negro, dijo, tirándome el cuchillo, que la desuelles por favor te ruego. Y obedecí su voz como un chiquillo, porque el joven aquel… Lola. (Atajándose)…Era mi Diego. Juan. Era don Diego, sí… (…) Dile yo a conocer mi desventura, y al escuchar mi dolorosa historia, (…) Ven, infeliz, me dijo: yo compraré tu sangre al europeo, de padre serviré a tu pobre hijo (…) Entre ríos de llanto, yo besé aquella mano bienhechora, y perdonad mi cariño santo si lloro aún al recordarlo ahora; desde entonces resbala mi existencia sobre su sola huella, y miro siempre en él mi providencia como el marino a la polar estrella; y adivino la idea de su mente en su mirada vaga, porque la deuda que mi pecho siente, sólo, señora, el corazón la paga. Lola. (Enternecida) Ámale como le ama el alma mía; sé su ángel tutelar. Juan. Sed vos, señora, si conocéis la ciega idolatría con que Diego vuestro nombre adora. (Vásquez Acevedo, 1929:158-161). Na trilogia dos três Outros - indígenas,
“gauchos”, afro-uruguaios - o último nem sequer atinge o lugar do gaucho
aguerrido quem, domesticado, pode transformar-se em cidadão. O afro-uruguaio não é o Outro desaparecido,
não é o Outro a domesticar. Ele
conforma o Outro a ser cidadão, já que não possui condições para ser cidadão
“de igual para igual”. Mesmo assim, será sempre invocado ao se afirmar a
temática da igualdade, ao mesmo tempo que sua inferioridade é naturalizada de
tal forma que se torna a-problemática. 5.5 O imigrante
europeu: exemplo de “o Outro” bem tratado
No “LIbro Tercero” de Vásquez Acevedo, a
lição 78, chamada “Los extranjeros” mostra a particular relação entre “paisano”
e imigrantes através de um diálogo criado entre dois “paisanos emblemáticos”: Los extranjeros. Dos paisanos estaban un día conversando en la plaza de Melo. Uno se
llamaba Goyo Fernández y el otro Felipe Guerra. De repente penetró en la plaza, cerca de ellos, un mercachifle italiano, completamente
agobiado por un carguero de géneros y artículos de todas clases que llevaba
sobre los hombros. ¡Qué rabia me dan estos gringos! dijo Fernández ¿Y porqué, hermano? ¿qué le hacen? interrogó Guerra. ¡Qué me hacen? Me fastidian, porque son muy negociantes, y vienen á
robarnos la plata. Donde quiera que uno se halle, ahí se presentan ellos con su carguero
de chucherías, lo mismo en el pueblo que en la estancia. Pero ¿qué mas quiere amigo? Es una ventaja que le lleven á uno á todas
partes las cosas que necesita. Si no fuera por ellos, tanto Ud. como su mujer
tendrían que venir al pueblo, cada vez que desearan comprar alguna cosa,
abandonando las ocupaciones y quehaceres de la casa. Sí, pero que es le pelan á uno los cobres. Son unos linces para el negocio. Y eso ¿qué tiene? Cada uno gana su vida como puede. Y no son ellos
seguramente quienes la ganan con más facilidad. Fíjese como camina ese infeliz
completamente doblado por el peso de sus mercancías, y así anda leguas y mas
leguas. Da lástima verlo. No me embrome, paisano.
Si son unos
peines, que lo embrollan á uno en cuanto se descuida. No diga eso, Fernández. Habrá algunos pillos, como también hay paisanos
truchas, que los embroman á ellos, no pagando lo que les compran; pero la mayor
parte son honrados industriales que ganan su vida á fuerza de trabajo y de
contrariedades. Si no fuera por esos extranjeros y otros como ellos que vienen
aquí á explotar nuestras riquezas y á enseñarnos sus industrias, no estaría nuestro
lindo país tan adelantado como se halla. Cállese, compadre, no me hable de los gringos. Si, he de hablarle, amigo, contestó Guerra porque Ud. no tiene razón en
lo que dice. Nosotros los Orientales tenemos muy buenas condiciones: somos
valientes, bondadosos, hospitalarios; podemos estar orgullosos por nuestra
inteligencia y nuestras virtudes, porque hay y ha habido compatriotas muy
notables, que no tienen nada que envidiar á los hijos de otros países; pero no
por ese debemos despreciar á los extranjeros, que vienen á la República á
ayudarnos á formar una nación progresista y grande. Los extranjeros cultivan
nuestras tierras, utilizan nuestros productos, los transforman y mejoran; y
todo lo que ganan queda en nuestro país. Además, después que están algún tiempo
en él, se casan, y los hijos que tienen son Orientales como nosotros,
orientales que toman un fusil ó agarran una lanza, para defender la patria
cuando alguna nación enemiga se atreve á atacarla ó para defender la libertad ó
las instituciones cuando son agredidas por los malos. Más de un mozo de Montevideo he conocido yo en las distintas guerras de
esta tierra, tan guapo y decidido por su causa, como el mas puro criollo, y que
era, sin embargo, hijo de español, de italiano ó de francés. Fernández que, aunque ignorante, era un buen paisano, se dio por
vencido, é impresionado por estos juiciosos argumentos, se despidió de Guerra,
con el ánimo bien dispuesto para mirar en adelante con mejores ojos á todos los
extranjeros honrados y trabajadores. (Vásquez Acevedo:1888:233-236). A integração do Outro imigrante mostra,
nestes textos de fins do século XIX, as estratégias persuasivas de integração
deste imigrante ao âmbito da “paisanada”. Qualquer gesto xenófobo é denotado, destruído
por meio de uma razão argumentativa que reconhece as qualidades de “los
Orientales” e, ao mesmo tempo, o empenho
dos imigrantes em colaborar com seu esforço à criação de uma nação
progressista. Os imigrantes (seus filhos) tornam-se, por outra parte, em
Orientais, em uruguaios, e inclusive, nas palavras de um dos camponeses … los hijos que tienen son Orientales como nosotros, orientales que
toman un fusil ó agarran una lanza, para defender la patria cuando alguna
nación enemiga se atreve á atacarla ó para defender la libertad ó las
instituciones cuando son agredidas por los malos. (Vásquez Acevedo, 1888:235). José H.Figuiera, por seu turno, no texto “Un
buen amigo”. nos relata a outra face da relação entre os habitantes “nacionais”
(umas crianças) e um estrangeiro passeante (provavelmente imigrante): Lección 88. El extranjero y los pájaros. Paseábase una vez un extranjero por la ciudad de Montevideo, y halló
por la calle á dos niños que llevaban una jaula con cinco pajaritos. Éstos, al
pretender volar, se daban golpes contra el enrejado de su prisión y asomaban
sus piquitos por entre los alambres piando con tristeza. Al ver aquello, el semblante del extranjero tomó una expresión de
disgusto. -¿Cuánto quieres por uno de estos pájaros?- dijo bruscamente el niño
que tenía la jaula. Los dos muchachos se concertaron para pedir por el pájaro el doble de
lo que valía, y respondieron al comprador: –Treinta centésimos, caballeros. El señor, sin decir nada, dio a los niños el dinero que le pedían,
abrió la jaula, sacó uno de los pájaros y lo acarició un instante. “Vete á
donde quieras! dijo luego, echándolo á volar. Y lo miró con placer elevarse por los aires hasta que se perdió de
vista. Después de esto, el extranjero dio otros treinta centésimos y soltó un
segundo pájaro. Lo mismo hizo con los tres restantes. Los niños le contemplaban asombrados .-“Por qué, le preguntaron, ha
pagado usted tan caros estos pájaros si no era para guardarlos?” – Durante dos años, respondió el extranjero, he vivido encerrado
injustamente en una prisión. Allí he sufrido mucho. Estos pajaritos son los
primeros seres á quienes puedo devolver la libertad, y he querido que fueran
felices”. Los dos muchachos se miraron con lágrimas en los ojos, y avergonzados
por haber engañado al extranjero, le devolvieron, de común acuerdo, el dinero
que habían tomado de más, queriendo así reparar la falta que habían cometido. MÁXIMAS La libertad es la vida; la servidumbre la muerte. Todas las luchas del hombre tienen por fin principal el aumento de su
libertad. (Figueira,1902:170). As máximas finais, de alto conteúdo cívico, a
união metafórica entre a figura dos pássaros e a liberdade, o comportamento
inicialmente estranho do estrangeiro ao libertar os pássaros, não deve opacar
porém, a marca que é colocada na relação entre estas crianças de Montevidéu e o
estrangeiro passeante: todo tipo de engano ou suspeita deve ser refreado
ou corrigido. Assim como na lição anterior
(Vásquez Acevedo, 1888:233-236) anulava-se a possibilidade de conceber o
estrangeiro como “desonesto”, neste texto deparamos com a “correção” de
atitudes nativas desonestas perante um estrangeiro. A coexistência, o melting
pot uruguaio assegura-se desta forma sua tranqüilidade. Estrangeiros e nativos conseguem conviver,
quebrando qualquer tipo de desconfiança. O Outro “bem tratado”, o imigrante,
será recebido com calor aconchegante (na medida em que se tornar uruguaio).
Tratamento que, obviamente, não recebem esses “Outros” que ocupam lugares
inferiores na hierarquia produzida pelo mesmo. Neste sentido, os textos de
Abadie Soriano e Humberto Zarrilli são explícitos. Nos livros de leitura
sugestivamente chamados “Uruguay” (1932) e “Tierra Nuestra” (1931) nos é
oferecido o “abraço” entre a nação, seu território, suas paisagens e o
imigrante que vem fecundá-la. Na lição
“El puerto de Montevideo”, a entrada privilegiada - por mar - ao
Uruguai, metamorfoseia-se em verdadeiras
boas-vindas aos imigrantes: El puerto de Montevideo. Entre los muchos privilegios que posee Montevideo y que harán de ella
una de las ciudades más notables del Mundo, está su puerto natural que es uno
de los mejores de América. (…) Día y noche llegan enormes transatlánticos cargados de productos de
todos los países y de hombres fuertes que vienen de Europa a trabajar con
nosotros en paz.. (Abadie Soriano e
Zarrilli, 1932:145,146) Ao auto-elogio, o futuro promissor de uma cidade e de um porto
florescente, acrescenta-se a chegada “… de hombres fuertes que vienen de Europa
a trabajar con nosotros en paz.” (Abadie Soriano e Zarrilli, 1932:146). Também a lição “Las playas del Río de la Plata” conserva o mesmo
contéudo temático: Las playas del Río de la Plata. ¡Qué hermosas son las playas del Río de la Plata! ¡Qué finas son sus arenas! Son amplias y blancas nuestras playas. Casi todas son curvas y terminan en dos puntas. Por eso tienen la forma de brazos tendidos. Brazos abiertos que reciben a los que llegan. Brazos cordiales del Río de la Plata. Brazos que ofrecen amor. Brazos del Río de la Plata. Brazos que ofrecen amor. Brazos tendidos a todos los brazos. ¡ Qué buena impresión harán a los que llegan! A los que llegan a estas playas donde el mar se endulza. A los que llegan de todo el mundo. En barcos repletos. En busca de trabajo y paz. (Abadie Soriano e Zarrilli, 1931:48-49) O auto-elogio ao território da nação, a
geografia ao serviço do recebimento desses homens que procuram trabalho e paz,
tudo tende a se mostrar como um
território “aberto”: as praias são em curvas porque parecem com os braços que
receberão - e abraçarão - os imigrantes recém chegados. Mas, também, os transportes podem servir de
nexo e de conexão entre o mesmo e esse Outro almejado, esse único Outro
almejado, representado pelo imigrante europeu. Assim, na lição “El Tranvía”, o bonde é
descrito em plena relação a estes imigrantes europeus: El tranvía El tranvía vino de otros países. a nuestro país de América. El también cruzó el Atlántico, como los hombres de Europa, como los hombres de España y de
Italia. que vienen en grandes barcos, hombres sanos y buenos, que nos ayudan a hacer la patria. El tranvía vino a trabajar. Cuando llegó él la ciudad era chiquita. El tranvía la fue haciendo grande. Antes de que él viniera las calles eran cortas. El tranvía las fue alargando. Las calles se llenaron de casitas. Su obra fue de progreso y de belleza. Como la de los hombres que vienen de otros países. Por eso el tranvía trabaja cantando. (Abadie Soriano e Zarrilli, 1931:56
-57) O Transatlântico, sem dúvida, exerce também a
magia de conexão entre a nação e esse de “fora”, europeu. Circulam colheitas
“nossas colheitas” que são por ele transportadas e em troca traz “homens cheios
de esperanças”. O Transatlântico, no exercício mitoprático, transforma-se em
uma estranha metáfora do amor: Transatlántico El transatlántico es una
inmensa nave. Viene de más allá del Atlántico. Su cuerpo es de hierro. Su corazón de fuego late noche y día. Viene repleto de cosechas. Transportará nuestras cosechas. Viene cargado de hombres. De hombres repletos de esperanzas. Une las ciudades lejanas con nuestra ciudad. Para llegar a nosotros avanzó noche y día. Venció las tempestades. Venció las brumas. Venció a las noches solitarias de los mares, con la luz de sus faros. Venció el silencio del Océano, con el canto de sus bocinas. El transatlántico es mensajero de paz. ¡Bienvenida la nave! ¡Saludemos la nave con amor! Porque es amor.
(Abadie
Soriano e Zarrilli,1931:58-59).
[1] Entendo que em português não há uma
tradução direta para a diferenciação que se pode estabelecer em espanhol entre
“lo otro” ( outro) e “el otro” (Outro). Embora entendemos que fica clara a
diferença entre ambos neste capítulo (e sem pretender estabelecer fronteiras
fixas entre o “outro” e o “Outro”), digamos que quando fazemos referência ao
“Outro”, estamos tentando dar conta da produção do Outro a partir de uma
centralidade identitária. Esta produção objetiva-se em um sujeito (“gaucho”,
indo, imigrante europeu). Quanto ao “outro”, como alteridade radical, assume a
estranheza para a qual nem sequer se elabora um sujeito. O “antes” da reforma
vareliana pode ser “o outro”; as correntes religiosas como o catolicismo
também. A figura do índio, ocupa um lugar intermédio entre “o Outro” e “o
outro”, entanto a peculiar mito-práxis abordada afasta-o no tempo e integra-o
numa temporalidade que se pretende vazia de acontecimentos e, ao mesmo tempo,
inscreve-o num caos prévio à fundação da nação.
2
Assim, sem dúvida sob a marca antropológica de Lévi-Strauss, Michel Foucault
(1997) dirá ao definir o Mesmo, o Outro e suas respectivas histórias “...la
historia de lo Otro - de lo que, para una cultura , es a la vez interior y
extraño y debe, por ello, excluirse (para conjurar un peligro anterior), pero
encerrándolo (para reducir la alteridad); la historia del orden de las cosas
sería la historia de lo Mismo - de aquello que, para una cultura, es a la vez
disperso y aparente y debe, por ello, distinguirse mediante señales y recogerse
en las identidades.” (Foucault,
1997:9).
3 Sobre a temática de “o Outro” ver para América: Todorov, Tzvetan (1982). Para o caso uruguaio, ver a análise realizada por Gustavo Verdesio (1996) a partir de fontes européias do século XVI ao XVIII.
4 De acordo com Dumont “O Outro será então pensado como superior ou
inferior ao sujeito, com a importante reserva que a inversão constitui (...).
Quer dizer que, se o Outro fosse globalmente inferior, revela-se superior em
níveis secundários.” (Dumont, 1992:264). Caberia aqui pensar em outras
expressões míticas uruguaias e seu caráter justamente de inversão, tais como as
referidas à “garra charrúa”, para justificar algum triunfo isolado de futebol,
num país que ostenta a consigna de “país sem índios”. |